No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
No primeiro episódio da quinta temporada, Sara conversa com a arquiteta Andreia Garcia sobre o projecto Fertile Futures, a representação portuguesa na Bienal de Arquitetura de Veneza 2023. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Vou começar este podcast com uma citação de uma pessoa que admiro muito, que é o arquitecto Norman Foster que tem dedicado a sua vida a resolver problemas da humanidade com a arquitectura, e que dizia recentemente o seguinte: “A arquitectura é sobre melhorar a qualidade de vida. Então não há nada mais fundamental na arquitectura como o fornecimento de água potável, a habitação, o saneamento... Espero que mais arquitectos vejam isto como arquitectura, e não como algo que apenas diz respeito aos outros.” E tu e a tua equipa de curadores adjuntos, o Diogo Aguiar e a Ana Neiva, no fundo, de certa forma, fizeram também este desafio do Norman. Também estão a aproveitar esta exposição para pensar sobre a escassez de água doce: a forma como é gerida e a forma como é distribuída. Então a minha primeira pergunta é se isto seria um tema sobre o qual já terias pensado e se já tinhas estudado. Ou, se não, se aproveitaste esta exposição também para pensar sobre este tema da água como sendo um tema que a arquitectura precisa abraçar.
Andreia Garcia: Obrigada pela pergunta. De facto, este projecto ou esta proposta curatorial, e o tema que aporta a si, traz naturalmente uma sensibilidade para a auscultação do momento, mas também para a reunião de interesses que já tínhamos estado a trabalhar e que temos estado a trabalhar: eu, no meu trabalho, como curadora, mas também como investigadora. Posso apontar dois projectos de curadoria que, de alguma forma, tocavam estas questões. Por um lado, uma premente preocupação com o impacto da arquitectura num contexto de forte atenção e cuidado para as questões decorrentes das alterações climáticas e como é que a arquitectura, no fundo, pode ser mais responsável neste processo. Aponto logo principalmente a 2.ª edição do Mês da Arquitectura da Maia, em que eu projectava a cidade. Fazia um exercício profundamente utópico, ou quiçá distópico em alguns dos casos, mas projectava a cidade em cem anos e convidava ateliers e críticos de arquitectura a desenharem esse cenário já prospectivo, já projectado no tempo. E, naturalmente, alguns deles já traziam esta questão da água. Alguns mais directamente, outros mais indirectamente na relação com a alteração da própria paisagem da cidade e da presença do elemento. Depois, a Bienal Art(e)facts, que se desenvolve no Fundão, é uma bienal que já relaciona arquitectura com os saberes ancestrais: aqui também já há uma preocupação muito directa com a vontade de propor, mas [também de] autoconstruir efectivamente, portanto passar para lá do desenho e, efectivamente, dar corpo ou dar volume a essas propostas num discurso profundamente engajado entre a disciplina da Arquitectura, mas também do Design, da Arte com os saberes tradicionais.
SN: Com as populações locais, não é? Eu lembro-me até de ver uns pequenos documentários que tinha esse carácter muito local e de envolvimento das pessoas.
AG: Sim. Que de alguma forma este projecto também...
SN: Também tem, não é?
AG: Também acaba por ter, sim, porque ele traz em si não só a questão, ou o prisma sobre o qual abordamos as problemáticas do futuro, que depois se configura no elemento água – e nas problemáticas sobre as quais já poderemos vir a falar a seguir –, mas também no método de fazer, que, aliás a Lesley Lokko, de resto, sugere. [Ou seja], utilizar esta ideia de laboratório como uma metodologia e ela, sim, já muito presente no trabalho curatorial que o tinha desenvolvido até então, que sugere ou cria a condição para um encontro multidisciplinar, de um conhecimento de áreas científicas que se cruzam na ideia de que se temos um problema que é de todos, a solução deve ser comum.
[Há] esta relação muito engajada, muito partilhada. O Diogo Aguiar também, de alguma forma, com a relação, com o comissariado que faz na Concreta, esta relação muito próxima com os materiais.
SN: Com as indústrias...
AG: Sim, e com o impacto da arquitectura na pegada carbónica. Todas estas questões que também decorriam muito, ou estão muito presentes no próprio manifesto da Lesley, quando sugere que temos de assumir também um discurso pós-carbono, portanto também aportou aqui questões profundamente essenciais e estruturantes para esta discussão. E é numa relação muito próxima entre a arquitectura e a dimensão humanista por via de uma proximidade com as Ciências da Saúde num curso que...
SN: Sim, é um projecto muito giro que nós esperamos também em breve poder entrevistar sobre esse projecto, portanto não contes muito. (risos)
AG: Não conto muito, não, mas, no fundo, [quero] com isto dizer que quando os convido para fazerem parte desta equipa tinha conhecimento desta dimensão crítica que traziam à forma como construímos discurso e produzimos conhecimento sobre arquitectura – que, de resto, é o que eu entendo que é uma curadoria.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.